Matéria publicada no jornal Valor Econômico – caderno Legislação & Tributos, em 16/04/09.
Fico imaginando o que deve estar se passando na cabeça do empresariado brasileiro. O ano começou em crise, a carga tributaria continua elevadíssima, empregos estão sendo ceifados, investimentos reavaliados e para piorar os empresários que dependem do setor público estão sendo corriqueiramente surpreendidos com penalidades de inidoneidade e suspensão para contratar. A penalidade, nesse caso, é na maioria das vezes a sentença de morte da empresa, quando há uma dependência do setor publico como cliente.
Há de se penalizar aquele que descumpre a lei e deve ela ser cumprida e aplicada seguindo o intuito a que foi concebida, como resultado da manifestação da vontade da sociedade e organização do Estado democrático de direito. De outro lado, se a lei é aplicada de forma equivocada ou abusiva, nos deparamos com a ilegalidade. Se existe ilegalidade, é imprescindível que seja a mesma combatida e, eventualmente, em caso de abuso ou mau uso, modificada a lei ou a sua própria interpretação ou aplicação.
Notamos, como operadores do direito, uma grande procura de empresas alegando violação aos seus direitos ou mesmo a direitos de ordem pública provenientes de atos de administradores públicos no que concerne à aplicação de penalidades da Lei de Licitações. Como as penalidades previstas na Lei nº 8.666, de 1993, não são vinculadas a fatos determinados, cai-se na seara da discricionariedade do administrador público, que acaba tendo a vida da empresa em suas mãos. Infelizmente, membros de instituições da administração pública direta e indireta, com certa frequência, vêm inobservando preceitos legais e constitucionais ao proferirem decisões administrativas, principalmente quando provenientes de licitações e contratações públicas, fazendo com que pessoas e empresas tenham prejuízos irreparáveis e tenham que se dirigir ao Poder Judiciário para verem seus direitos garantidos. E não são meros erros formais ou materiais, mas sim desconhecimento das normas cogentes e até mesmo, por vezes, sentimentos pessoais extravasados do administrador.
No âmbito processual administrativo, não é raro o desrespeito aos prazos legais e a não concessão de direito à manifestação e defesa pelos interessados antes da tomada de decisões administrativas, em total descaso ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, tão bem insculpidos nos incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição Federal. Na esfera material ou meritória, é constante a violação de preceitos básicos como os da legalidade – previsto pela Constituição Federal no caput do artigo 37 -, da isonomia – previsto no artigo 3º da Lei de Licitações e no caput do artigo 5º da Constituição Federal – e da competitividade – prevista no artigo 23, parágrafo 7º da Lei de Licitações -, bem como, no momento de aplicar penalidades, a desconsideração de princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Como já citado em outros artigos, não podemos mais uma vez deixar de lembrar o glorioso Rui Barbosa, que, profetizando, dizia que “no Brasil, a lei se deslegitima, anula e torna inexistente, não só pela bastardia da origem, senão pelos horrores da aplicação”.
Não obstante a crise que assola o Brasil e o mundo, inúmeras empresas que dependem da contratação com o poder público, produzindo inúmeros empregos, ampliando efetivamente a arrecadação de impostos e o crescimento do país, são suspensas de licitar e contratar e são até declaradas inidôneas por um ato não muito relevante e por um único agente público, muitas vezes sem o devido processo legal e alheio à razoabilidade e proporcionalidade. Por a lei não vincular a penalidade a um ato específico, verificamos penalidades absurdas por atos às vezes irrisórios e sujeito a uma interpretação totalmente subjetiva do agente.
Os atos dos agentes devem ser revestidos de legalidade, a questão social deve ser analisada e indiscutivelmente os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório, da presunção de inocência, da moralidade e da impessoalidade devem ser respeitados. Caso contrário, a lei deve ser modificada para que sejam previstas as condutas que gerem a sanção, bem como o teor da mesma e sua finalidade. É de conhecimento público o descompasso e impropriedade de termos leis tão específicas, mas nesse caso se torna imperioso quando notamos que lamentavelmente o administrador não a está aplicando de forma correta.
Se houve um atraso de serviço não essencial, aplica-se a advertência e multa; se há fraude comprovada, aplicasse a pena de suspensão; se a empresa foi incriminada em processo judicial, imputa-se a inidoneidade. O que não podemos é ver empresas sendo liquidadas por penalidades impostas sem parâmetros e por óbvio com inúmeras afrontas aos direitos básicos. Mister que se deixe um pouco os exagerados atos contra os administrados e se foque mais na fiscalização da própria atuação dos administradores públicos, visando fazer com que esses tenham mais responsabilidade quando de suas decisões e cumpram a lei, a Constituição Federal e os princípios básicos de direito, evitando que se tenha toda vez que buscar o Poder Judiciário para ver garantido o funcionamento do Estado democrático de direito.
O empresariado pode até aguentar a crise, mas certamente não suportará, além disso, as penalidades desproporcionais e as vezes maculadas de ilegalidade que aniquilam seu objetivo social, sendo que o Estado e o Poder Judiciário não podem deixar prevalecer a ilegalidade ou o mau uso da norma.
Rodrigo Badaró de Castro e Jorge Jaeger Amarante, à época, respectivamente, sócio e advogado do escritório Azevedo Sette Advogados em 16/04/2009.